Anos 80: uma metralhada de rock brasileiro

Nos últimos anos da década de setenta, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque, ainda eram os ecos nacionais da derradeira grande era e dificilmente imaginava-se que o rock seria a trilha sonora da próxima década


Nos primeiros passos da década de oitenta, Fernando Gabeira com sua tanga de crochê lilás e suas memórias “sexo, drogas e rock’n’rol” dos anos de ditadura militar, escandalizava o Brasil. Era quando o governo Figueiredo ainda gatinhava e a juventude brasileira de classe média percorria seu caminho de volta de Woodstock, um sonho que parecia não acabar. Aos poucos foram despertando com os punks de Brasília (filhos de diplomatas) e os punks paulistas (filhos de operários), que marcaram o clímax do movimento com o festival “O Começo do Fim do Mundo”, uma batalha campal entre punks e policiais no Sesc-Pompéia, onde a gravação tornou-se um LP.

Para além dos punks, a palavra “independente” destacava-se na música brasileira. O selo e teatro Lira Paulistana centralizava no início da década de oitenta, trabalhos de apelo universitário, como o jazz erudito de Lelo Nazário, a sátira culta do Preme e o pop dodecafônico de Arrigo Barnabé, que já havia marcado presença no festival da falida TV Tupi, em 1979, com a música “Sabor de Veneno”. Também foi lançado pelo Lira, o LP do artista plástico Aguillar, acompanhado por dez músicos, entre eles Lanny Gordin (destacado guitarrista da tropicália) e os futuros Titãs, Paulo Miklos e Arnaldo Antunes, origem que explica a inusitada e competente esquizofrenia dos Titãs.

Em 1981, surge num festival de cartas marcadas, o MPB-Shell, Júlio Barroso e sua Gang 90 & As Absurdettes, que fazem de “Perdidos na Selva”, o primeiro hit “new wave” do país, pois imperava até então, como “rock” nas FMs, o híbrido do pop com brega praticado por grupos de veteranos como o Rádio Táxi ou o Erva Doce.

Logo no início de 1982 há uma revolução na indústria fonográfica deflagrada pela Blitz, que apresenta a proposta certa na hora e lugar certo. A música “Você Não Soube Me Amar”, com um humor típico e frases de efeito, é um marco nessa história, chegando a vender seiscentas mil cópias. A Blitz com este compacto independente indica o caminho para as gravadoras, que passam a ficar de olho nos “paus-de-sebo”, tentando localizar novas minas de ouro. O primeiro passo foi capitalizar a agitação do espaço carioca Circo Voador e lançar o LP “Rock Voador”. O disco, entre uma leva de nomes inexpressivos, mostrou o primeiro hit do Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, “Pintura Íntima”, ainda em 1982.

Aproveitando a nova onda, São Paulo entra na brincadeira com o sucesso isolado de “Sou Boy” do Magazine, uma das apostas locais da WEA, ao lado do Ira!, Agentss, Azul 29 e Ultraje a Rigor, que apesar de se apoiar no humor, dava um passo além da Blitz, passando do simples riso fácil ao riso fácil político. “Inútil” transformou-se em uma espécie de hino da juventude, um revigorante protesto contra a situação nacional, onde todos cantavam “a gente não podemos escolher presidente”.

Essa sensação de inutilidade da juventude foi canalizada para os novos reis do iê-iê-iê que surgiam de todas as partes, a maioria zangada com o governo e com o mundo, cantando canções de protestos contra todas as instituições. De Brasília vieram os primeiros indignados (talvez por viverem mais próximos aos meandros do poder), Legião urbana, Plebe Rude e Capital Inicial, que em julho de 1983 invadem as praias cariocas e fazem shows no Circo Voador. Na Bahia, Camisa de Vênus alcança grande popularidade local, lotando ginásios e teatros onde se apresentavam. O único trabalho fonográfico que tinham era um compacto do selo independente NN, com duas músicas “Primo Zé” e “Controle Total”. Das terras cariocas surgia Lobão e Seus Ronaldos, Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso (apesar de serem de Brasília já haviam adotado raízes cariocas), Lulu Santos e Kid Abelha e Os Abóboras Selvagens. Sampa marca presença nessa fase com Ira!, Titãs, Metrô e RPM.

É chegado um momento em que tanto vigor começa a se chocar com as intenções comerciais da indústria fonográfica, disposta a dividir para reinar, mas não somente dividir as bandas contratadas e as “outras”.Houve um boicote às bandas que se atreveram em lançar discos independentes, onde decidiu-se na diretoria de uma grande gravadora, dificultar o máximo o lançamento de um modesto LP independente, atrasando a sua prensa durante um ano. O próprio Ira! Antes de alcançar o sucesso, esteve a ponto de ser extinto, amargurando por mais de oito anos no banco de reservas.

Começam as separações, Lobão parte para a carreira solo, ficando Ronaldo e Seus Miquinhos Ametrados, Cazuza deixa o Barão Vermelho, continuando ambos a fazer sucesso, Leoni briga com Paula Toller e deixa o Kid Abelha e monta outra banda, Os Heróis da Resistência, Marcelo Nova parte para a carreira solo, extinguindo-se o Camisa de Vênus, nascendo uma nova parceria: Marcelo Nova e Raul Seixas.

É uma década onde o rock divide-se entre antes e depois do Rock in Rio, exatamente na metade da década, em 1985. Numa maratona de dez dias, houve opções para todos os gostos, de Iron Maiden a Nina Hagen e de Rita Lee a Blitz. O festival traz a polêmica sobre um suposto boicote técnico aos artistas brasileiros, que se queixavam de problemas com som e luz. A organização alegou inexperiência de músicos e operadores nacionais em eventos desse porte. Fato ou boato, o Rock in Rio consagrou definitivamente nomes do rock nacional e introduziu o país no circuito internacional de shows.

Na segunda metade da década é a vez do rock gaúcho chegar ao underground, quando a RCA lança em 1985 a coletânea “Rock Grande do Sul”, dando passagem a bandas como Engenheiros do Hawaii, De Falla, Replicantes, TNT e Garotos da Rua.

Mas nessa segunda metade dos anos oitenta é marcado o alastramento dos efeitos da explosão do rock brasileiro, quando esses efeitos colaterais acabaram fazendo com que as gravadoras colocassem no mercado uma legião de grupos e cantores, alguns até deixando em dúvida a respeitabilidade que o rock vinha firmando. Por outro lado, os bons roqueiros assumiram níveis internacionais e certamente continuarão proporcionando um rock autêntico e bem brasileiro, onde não poderia deixar de destacar, entre outros, Paralamas, Titãs, Leigião e Lobão.

• Artigo veiculado no Jornal Metrópole em 12/01/1990

STOCK DE FOTOS


BANDA VIMANA: Lobão e Lulu Santos

BARÃO VERMELHO: Cazuza, Frejat e "Bete Balanço"

BLITZ: Evandro Mesquita, Fernanda Abreu, Lobão e "Batatas fritas"

LEGIÃO URBANA: Renato Russo, "Eduardo e Mônica"
MAGAZINE: Kid Vinil "O herói do Brasil" - Eu sou Boy...

FERNANDO GABEIRA: uma revolução contra as estruturas militares

RPM: As brigas de egos não suportaram tantas revoluções por minuto.
ELES ESTÃO DE VOLTA (de novo?...)

Comentários

  1. Me lembro até hoje do Arrigo Barnabé bem puto, dizendo pro grupo "Blitz": "Você não soube mamar!" (rs rs)
    Bela stockada no nosso passado recente, amigo Gaúcho.
    Trago guardadas algumas edições dos velhos tempos do "Stocker dá o Toque".
    Felicidades pra tí, e te cuida porque tá um baaaaaita frio, tchê!

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  2. Comentário com "sabor de veneno" né? (risos). estou pensando em registrar no blog algumas coisas que tenho da época.
    Abs,amigo David.

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