Jovens “embarcam na viagem” de Ana Paula Maia

A escritora esteve na Biblioteca Pública de Várzea Paulista na noite da quinta-feira (6) para um bate-papo descontraído sobre sua literatura e a obra ‘Apanhador no Campo de Centeio’, de J. D. Salinger, que inspirou seu primeiro livro


Bombeiros que arriscam suas vidas nas temperaturas altas, que estão habituados no dia-a-dia com cenas fortes, como serrar latarias de carros, manusear corpos mutilados ou presenciar o fogo transformando pessoas em carvão; Homens que trabalham nos subsolos de crematórios com a função de colocar os mortos nos fornos para que sejam transformados em cinzas e jogados no jardim com belíssimas flores cultivado em área do crematório, ou mesmo, reservados em potes para lembrança dos familiares; Homens que ganham a vida nas minas subterrâneas colhendo carvão; outros que passam os dias abatendo porcos, ou mesmo os lixeiros que, faça sol, chuva, vento ou sereno, estão nas ruas recolhendo a sujeira para ganhar dinheiro e sobreviver na sua vida simples.

Estes personagens “brutos” e viris compõem o universo da literatura de Ana Paula Maia, que esteve na Biblioteca Pública de Várzea Paulista, na noite da quinta-feira (6), em um bate-papo descontraído com jovens e adultos da cidade, falando de sua formação como leitora e da relação com a literatura. A escritora carioca abriu o encontro destacando a obra ‘Apanhador no Campo de Centeio’, de Jerome David Salinger, que serviu de guia para escrever seu primeiro romance: O Habitante das Terras Subterrâneas. “A linguagem simples de Salinger, ativa a vontade do leitor em querer contar, ou inventar, sua própria história. E foi isso que aconteceu comigo depois de ler Apanhador no Campo de Centeio”, declarou Ana Paula, depois de ler um trecho do clássico americano de 1952.

Ana Paula avaliou no bate-papo que “O Apanhador”, lançado após a segunda guerra mundial, foi um livro pioneiro na narrativa de um jovem e por isso apresenta uma linguagem de fácil entendimento. “Naquela época o conceito de adolescente ainda não existia. Era criança ou adulto e ponto. É primorosa a narrativa do jovem Caulfield. Sua linguagem simples se aproximava muito do real, das histórias dos jovens americanos na época. É uma literatura sem data. Depois de 60 anos continua muito atual porque o fim da ingenuidade continua sendo um rito que todos os jovens devem passar”, avalia Ana.

O encontro com sua literatura

O primeiro livro, editado em 2003 de forma independente, foi um divisor de águas para sua carreira literária. A escritora contou da dificuldade e da persistência que precisou para publicá-lo. “Foram pouco mais de dois meses para escrever e muita dificuldade para publicar o “Habitante”. Investi todo o dinheiro que havia recebido como pagamento de minha participação em uma peça teatral”, lembra. Determinada a seguir carreira como escritora, passa mais de dois anos produzindo o segundo livro e consegue editá-lo profissionalmente em 2007. A Guerra dos Bastardos, que está com os direitos vendidos para o cinema, foi editado também na Sérvia. O livro apresenta a narrativa de uma “guerra” que pode acontecer a qualquer momento em um lugar do submundo do crime carioca.

Com a carreira literária andando, recebe proposta para publicar ‘Entre Rinhas de Cachorros e Porcos Abatidos’, que reúne duas novelas literárias em 12 capítulos. Narram histórias de homens que sobrevivem ganhando muito pouco e não esperam quase nada da vida, além de trabalhos pesados, como: matar porcos; recolher lixos; quebrar asfaltos e desentupir esgotos. “Publiquei capítulo por capítulo na internet em 2006. A forma inédita, o grande número de acessos e a repercussão de mídia, chamaram a atenção da editora Record, que publicou o livro em 2009. Prevaleceram as histórias originais, com exceção de pequenas mudanças nos finais”, esclarece a escritora na roda de bate-papo.

Para compor a trilogia - denominada ‘A saga dos brutos’ -, que foca o universo rústico, rude e simples dos homens, no primeiro semestre deste ano publicou ‘Carvão Animal’. Questionada sobre a continuidade do tema, a escritora disse que é atraída pela virilidade masculina. “Escrevo sobre o que gosto. Ainda continua me interessando a condição do homem bruto e seus horrores, então continuarei escrevendo sobre o mesmo tema”, responde Ana Paula. Esclareceu também sobre a composição dos personagens: “Não trabalho na relação direta com os tipos de personagens, mas com a observação, a empatia e a percepção com o meio. Quando confronto com a realidade, percebo que a pesquisa foi perfeita”, revela a escritora carioca, que defende a inserção dos escritores contemporâneos na educação brasileira. “Temos grandes escritores, com excelentes literaturas e de linguagens simples, que podem atrair mais os jovens para a leitura”, finaliza.

O projeto Viagem Literária é uma parceria da Secretaria de Estado da Cultura com Bibliotecas Públicas, desenvolvida com o apoio de 70 prefeituras, entre elas, Várzea Paulista, que já trouxe outras três atividades literárias este ano: Milton Hatoum; Cia. Conto em Cantos e a escritora infantojuvenil, Índigo. No dia 18 de novembro, às 18 horas, a biblioteca receberá o escritor, redator de propaganda e professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, João Corrascoza, que ministrará uma Oficina de Criação Literária. Os interessados devem se inscrever antecipadamente. A Biblioteca Pública fica no Espaço Cidadania - Avenida Ipiranga, 151, Centro.

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