A quem pertencerá a vaga de suplente?

Hoje o STF atrai olhares do parlamento e partidos políticos do Brasil. Os votos dos 11 ministros do Supremo Tribunal Eleitoral definem se as vagas abertas por afastamento, morte ou mesmo renúncia nos legislativos devem ser ocupadas por suplentes dos partidos ou da coligação partidária que elegeu o titular.

O regime atual vigora durante décadas sem qualquer discussão sobre o assunto na Câmara dos Deputados e no Tribunal Superior Eleitoral. Mas após a decisão do Supremo, em 2007, quando ficou definido que o mandato pertence ao partido e não ao titular, adotando o princípio da infidelidade partidária, a Corte passou a defender que haja coerência entre esta decisão e o que definir na discussão sobre o regime de suplência.

Hoje há dois regimes distintos que tratam da suplência, estabelecendo o atual embate entre a segurança jurídica e a preservação da jurisprudência. Para o advogado eleitoral, Rodrigo Lago, as decisões dos cinco ministros em dar a vaga para o partido estão corretas e que devem optar por um caminho que garanta as duas situações. “Não é possível permanecer um regime para vacância decorrente de infidelidade e outro para os casos de licença, renúncia ou mesmo de morte do titular", afirma Lago, completando que para preservar a segurança jurídica, deve haver uma definição do Supremo para a nova interpretação valer somente a partir das eleições municipais de 2012.

É justo que valha para o futuro, já que a questão não havia sido questionada nas eleições anteriores, quando foram feitas coligações sobre a regra vigente. “Decidir que o novo entendimento vale só a partir de 2012 permite aos partidos optar com segurança sobre a conveniência e oportunidade de se coligar sob o novo entendimento que pode vir a ser fixado. Qualquer modificação não pode se aplicar para as convenções pretéritas" sustenta a advogada eleitoral, Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro.

Há controvérsias

Trata-se de uma mudança surpreendente e significativa no ordenamento jurídico, que aplica há 60 anos a regra de vagas aos suplentes da coligação. O advogado Erick Pereira defende a tese de que ela deve ser preenchida respeitando a ordem dos candidatos mais votados de acordo com a coligação. "É preciso ter em mente que o partido não obteve sozinho os votos que lhe garantiram determinado número de vagas na Câmara. O cálculo do quociente eleitoral é feito levando-se em conta as coligações", afirma.

Analisando a realidade nas eleições proporcionais, onde os partidos se reúnem, conversam, fazem cálculos, somam tempos na televisão, chegando a um prognóstico sobre a capacidade que esta união eleja determinado número de parlamentares, vemos que há uma perda momentânea de autonomia do partido, que busca a contrapartida desta soma de esforços, elegendo um número maior de parlamentares.

Ocorre que junto com as eleições terminam as coligações e os eleitos passam a representar seus partidos, transformando-se em patrimônios jurídicos de suas legendas. As comissões de trabalho e a própria mesa diretiva, são formadas de acordo com a representação partidária. E é a partir deste ponto que entra o entendimento daqueles que defendem a vaga ao partido.

Contra a mudança interpretativa

Para o ex-deputado federal, Flávio Dino (PCdoB-MA), que também foi juiz federal por 12 anos e leciona Direito em Brasília e no Maranhão, a mudança de interpretação da suplência pelo STF não é uma boa ideia e a Justiça não é o foro adequado para discutir o tema. "O atual critério legal é claro e vigente há várias décadas. Não vejo razão política ou jurídica para mudá-lo pela via interpretativa. Considero até razoável que se faça um debate sobre essa mudança normativa, que tenha como foco, inclusive, a própria existência de coligações. Mas a mudança por meio de interpretação do Supremo pode gerar anomalias", sustenta.

Para Dino, mesmo que o tribunal aprove e a nova interpretação valha para as eleições de 2012, a decisão irá gerar situações que jamais foram imaginadas, citando como exemplo casos em que o titular poderá não ter suplente do partido, com votos suficientes, para substituí-lo. Flávio Dino acrescenta que a decisão pode levar ao fato de um suplente diplomado pela Justiça Eleitoral, na prática, ter sua diplomação invalidada em seguida. No caso de nenhum deputado do partido do suplente ser eleito para o cargo de titular, ele não teria a quem substituir, mesmo com votos suficientes para isso. Logo, sua diplomação seria inócua.

Por essas razões, o ex-deputado sustenta que o Supremo deveria privilegiar a segurança jurídica e manter o preenchimento de vagas de acordo com os suplentes mais votados pela ordem da coligação. Ele lembra que recentemente o tribunal frisou que a segurança jurídica é um valor fundamental no julgamento da aplicação da Lei da Ficha Limpa para as eleições de 2010. "Para ser coerente com a fidelidade partidária, o tribunal pode gerar uma série de incoerências. Se ponderarmos o que torna o sistema mais contraditório, certamente é decidir que a vaga de suplente é do partido, e não da coligação", afirma Dino.

Outro exemplo é uma das decisões do ministro Ricardo Lewandowski, que citou levantamento feito pela Câmara dos Deputados, segundo o qual 29 deputados eleitos não possuem suplentes dentro de seus respectivos partidos e representam 14 estados brasileiros. Com os dados, o ministro afirmou que determinar que a vaga seja preenchida por um suplente do partido pode levar a situações inusitadas, como ter de fazer eleições restritas a determinados partidos.

Democracia representativa e partidária

Mas para o ministro Gilmar Mendes, relator da primeira liminar, que assegura a vaga de suplente aos partidos políticos, no sistema eleitoral proporcional adotado no Brasil os partidos políticos detêm um monopólio absoluto das candidaturas. "Ocorrida a vacância, o direito de preenchimento da vaga é do partido político detentor do mandato, e não da coligação partidária, já não mais existente como pessoa jurídica. Trata-se de um direito fundamental dos partidos políticos a manutenção dos mandatos eletivos conquistados nas eleições proporcionais", defende Mendes que conclui: “apesar de esse direito não figurar expressamente no texto constitucional, decorre do regime de democracia representativa e partidária adotado pela própria Constituição”.

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