Tiririca e Zé Lorota sabem onde fazer palhaçada

Quero pedir licença para relatar um pouco de minha família antes de expressar opiniões e reflexões sobre o campeão de votos nas últimas eleições do Brasil.

Nasci e fui criado no circo até os meus cinco anos de idade. Meu pai, além de dono da companhia Gira-Gira (circo, parque e teatro), era o pahaço Zé Lorota, que também fazia números cômicos no trapézio. Certo dia de espetáculo o respeitável público viu a palhaçada despencar do alto desprotegida da cama elástica. Eu, o Lorotinha, sem entender o que estava acontecendo, corri em direção ao público e disse: “O Lorota caiu! E não é marmelada”. A platéia gargalhou com a graça desesperada do palhaçinho de apenas quatro anos.

É uma experiência pessoal que traduz um pouco as alegrias e tristezas de quem viveu ou vive nos pequenos circos e parques de diversão, que ainda circulam nas cidades do interior e periferias das metrópoles. Como diz a música de Rolando Boldrin: Vide, Vida Marvada. Mas as dificuldades desta vida cigana não são maiores que o prazer e a alegria de viver e dividir a arte simples com pessoas simples, as mesmas que elegeram Francisco Everardo, o palhaço Tiririca, para representá-las na câmara dos deputados, em Brasília.

Esta manifestação popular que ultrapassou um milhão de votos é fruto da “santa” democracia e deve ser respeitada por cada cidadão brasileiro. Lembro-me que sua candidatura despertou a ira de pseudos-politizados, pessoas que tentam passar uma imagem politizada e na verdade não passam de falsos e preconceituosos. Elas diziam coisas do tipo: “Para evitar que estas palhaçadas aconteçam, sou a favor que haja exigência de nível universitário para ser candidato”. Primeiramente, estes “donos da sabedoria” ainda não entenderam o que é exercer a democracia de forma plena e, segundo, palhaço é uma função profissional artística e deve ser respeitada como qualquer outra que paga seus impostos.

Ela (a democracia) deve possibilitar a representatividade de todas as classes sociais e culturais, portanto, se no Brasil ainda há maioria de pessoas sem acesso à educação adequada, sem condições de sustentar seus estudos ou de seus filhos, já que o trabalho é muito e o salário é baixo para bancar o aluguel e comer muito mal, como podemos exigir que uma minoria nos represente, seja no legislativo ou no executivo. Eleitos: cabe-nos acompanhar seus desempenhos e avaliar se merecem continuar recebendo os nossos votos.

Costumo ouvir que o brasileiro ainda não aprendeu a votar ou que vota mal. A mídia não “ensina” que devemos conhecer os nossos candidatos antes de votar? É o que mais de um milhão de brasileiros fizeram ao votar em Tiririca. Afinal, eles sabiam muito mais sobre ele do que qualquer outro candidato.

Temos 513 deputados federais e cada um deles com suas histórias positivas ou negativas, mas o que vemos é uma concentração da mídia destacando as atividades do parlamentar Francisco Everardo. Chaga a ser algo que nunca vimos na cobertura política do país: “Tiririca erra na votação do salário mínimo”; “Tiririca contrata amigo humorista como assessor”; “Tiririca compõe Comissão de Educação da Câmara”. Enfim, há uma metralhada de notícias sobre suas atuações, sempre buscando sua desqualificação, seja na mídia impressa, falada, televisiva ou através dos milhões de cliques na internet.

Agora, avaliemos juntos: na votação do mínimo ele votou pelo valor maior. Está errado? O amigo humorista que contratou como assessor trabalha e mora em São Paulo, no seu reduto eleitoral. Está errado? Na comissão de educação pode contribuir como representante das classes menos favorecidas, que conhecem as necessidades das escolas públicas. Está errado? Chega de preconceito!

O deputado palhaço poderia fazer do plenário seu picadeiro, como muitos que são advogados, doutores, professores ou empresários fazem ao soltar piadinhas e brincadeirinhas sem graça ao fazer usa da tribuna. O Tiririca não está no parlamento. Ali está o Francisco Everardo, que ainda não discursou, mas que neste pouco tempo já pediu a recriação da Frente Parlamentar em Defesa da Cultura Popular e elaborou, ao lado de um deputado de Tocantins, um projeto de Integração Cultural. Ao contrário da maioria Everardo gastou apenas R$ 42,00 de sua cota no mês de março. Além dos deboches, você leu, ouviu ou assistiu estas notícias positivas sobre o início do mandato de Tiririca? Acredito que não.

Meu pai, o Zé Lorota, era um magnífico palhaço no picadeiro e fora dele era Osvaldo Stocker, sério administrador da companhia e da família. E é assim que interpreto o mito político que nasceu em 2010. E viva a democracia do Brasil. Aqui intelectual, empresário, bonvivant, metalúrgico, ex-guerrilheira, podem comandar o país. Aqui podemos ter palhaço, doutor, engraxate, advogado, cantor, empresário, ator, pastor, motorista, cobrador de ônibus e até militar, nos representando através do voto. O resto é preconceito e ditadura, doenças graves que deveriam estar enterradas.

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