As violas matutas do ‘Moda de Rock’

Dois caboclos roqueiros, duas violas caipiras e roupagens caipiras para clássicos do rock, compõem ‘Viola Extrema’, nome do primeiro disco do duo ‘Moda de Rock’


Estou sempre “antenado” para encontrar novidades, projetos criativos e obras que tenham personalidade e no mundo da música me deparei com algo até então nunca identificado. O duo ‘Moda de Rock’, formado pelos violeiros roqueiros - não necessariamente nesta mesma ordem -, Ricardo Vignini e Zé Helder, ao lançar o disco ‘Viola Extrema’, afasta todo tipo de preconceito que poderia ainda haver entre “metaleirosheadbangersmetalheads” e “violeiroscaipirasmatutossertanejos” radicais. Aos que torcerem o nariz para este trabalho os meus lamentos, pois se trata de mais uma obra musical inusitada, que nos mostra como seria possível e linda uma parceria entre Renato Andrade e Jethro Tull, Tião Carreiro e Andreas Kisser, Elomar e George Harrison ou entre Almir Sater, Randy Rhoads e Ozzy.

Vignini e Helder são músicos profissionais e fazem parte de uma banda que agrega ao som pesado do rock a sonoridade de um Brasil matuto com suas violas caipiras, chamada ‘Matuto Moderno’. Na banda o duo é o tempero que torna o rock menos ácido e em ‘Moda de Rock’, com apenas duas violas caipiras, os dois matutos “doidos” misturam temperos jamais experimentados e servem um prato musical especial, que deve ser apreciado por todos. É tão sofisticado que parece feijão com arroz, hambúrguer com ovo, mas é claro que tem um bom franguinho na panela.


Duas violas de dez cordas protagonizam o álbum, instrumentalizando onze clássicos que marcaram diferentes épocas e vertentes do rock n’roll: progressivo, metal, grunge, thrash. Neste disco o rock é moda! (de viola). Eles se apresentaram no SESC pinheiros em Julho passado com a especialíssima participação de Pepeu Gomes, um dos pioneiros na fusão de Rock e música brasileira, que começou em os ‘Novos Baianos'. O grupo colocava no liquidificador, rock, samba, chorinho, axé, xaxado, adicionava uma porção do forte tempero da baianidade e servia um exótico estilo musical. Apesar de tocar (e confeccionar) todos os instrumentos com mais de uma corda, foram as diferentes guitarras, incluindo a pequena baiana, que lhe colocam entre os 10 melhores guitarristas do mundo de acordo com a revista "Word Music".


O disco já abre com o que há de melhor entre os clássicos do rock, ‘Kashmir’ de Led Zeppelin (Physical Graffity – 1974). Para Robert Plant esta é a música definitiva do grupo e busca ser lembrado sempre por ela. Agora, com esta nova versão dos violeiros, sem o super arranjo marcado pela batida pesada de John Bonham, certamente, ajuda a torná-la inesquecível.


Na sequência vem uma música que pode ser considerada o hino de ‘Metallica’, Master of Puppets, gravada em 1986. A banda tem como linha divisória o “álbum preto”, dividindo as preferências entre antes e depois deste disco. Houve grande resistência por parte dos fãs quando, na década de 1990, o ‘Apocalyptica’ traduziu canções do Metallica para o cello, mas acredito que aprovarão a versão “modaheavy” de ‘Master of Puppets’, que ganhou harmonia sem perder o peso original.


O clássico ‘Norwegian Wood’ (Rubber Soul – 1965), do quarteto de Liverpool, foi a que mais se adequou à roupagem violeira. George Harrison estreou sua cítara nesta canção dos Beatles e podemos considerar que o instrumento da versão original ganhou duas violas irmãs, que dividem o mesmo timbre.


Não poderia faltar Pink Floyd na seleção de repertório e a música escolhida pelo duo de violeiros foi ‘In the flesh’. A canção abre a opera-rock ‘The Wall’, de 1979, álbum sagrado aos roqueiros amantes do rock progressivo e consagrado por todos que gostam de bons projetos musicais. Maravilhosa a versão caipira, mas fiquei imaginando a participação de Zé Ramalho com sua viola nordestina de doze cordas, dando um tom agalopado futurístico.


Uma catira metal. É o resultado do que fizeram com ‘Kaiowas’, música gravada em 1993, no disco ‘Chaos A.D.’, da maior banda brasileira na história do heavy metal. O ‘Sepultura’ foi responsável por captar o respeito ao rock “tupiniquim”. Apesar do som metalizado, a banda sempre respeitou suas origens, em especial esta canção, gravada originalmente em uma tribo indígena mato-grossense. A versão violeira ficou tão exótica quanto a original, guardadas as devidas culturas, é claro.


Jimi Hendrix influenciou muita gente a tomar gosto e querer aprender a tocar guitarra e não foi diferente com Ricardo Vignini, que sempre referencia o guitarrista nos shows da banda ‘Matuto Moderno’. ‘May This Be Love’, do álbum ‘Are You Are Experienced’, de 1967, foi a canção escolhida pelo duo para compor o primeiro disco do ‘Moda de Rock’. Se na canção original podemos viajar por longas estradas que nos levam ao infinito, na versão caipira podemos viajar por estradas de terra que nos levam ao paraíso ecológico.


A introdução que o duo deu para ‘Aces Hich’, do Iron Maiden, gravada no disco ‘Powerslave’ de 1984, parece que não vai empolgar, mas logo, quando a música começa a ganhar velocidade, se transforma em uma das melhores versões do álbum. Uma bela escolha para que se mantenha viva na memória a pura energia do rock e também o mascote ‘Eddie’ que marcou as incríveis capas da banda.


A tenebrosa ‘Mr. Crowley’, de Ozzy, ganha uma versão triste, lenta e espetacular. E não poderia ser diferente, tamanha responsabilidade, recriar um dos maiores clássicos do rock. Gravada em 1980, no álbum ‘Blizzard of Ozz’, o primeiro após sua saída do Black Sabbath, é um hino da carreira de Ozzy, que teve a incrível parceria do guitarrista Randy Rhoads.


Da mesma forma que o ‘Nirvana’ ousou o ousado rock n’roll no início da década de 1990, lançando o álbum ‘Nevermind’, os dois violeiros mostram ousadia e competência ao fazer uma releitura cabocla de ‘Smells like Theen Spirit’. Se o disco de Nirvana se apresentou como uma produção diferente de tudo na época, o mesmo acontece hoje na música brasileira com ‘Viola Extrema’ do duo Moda de Rock.


Na décima canção do disco, sabendo que terá só mais uma para acabar, começa-se a pensar o que virá na continuidade do projeto. ‘Hangar 18’, o maior sucesso de ‘Megadeth’, gravada em 1980 no excelente álbum ‘Rust in Peace’, não perdeu sua característica heavy nas vinte cordas das duas violas caipiras. Se na gravação original o grande guitarrista Marty Friedman é o equilíbrio da banda, na versão ‘moda heavy’, quatro braços, duas violas e uma só identidade formam um agradável ‘Hangar 18’ acústico.


Se ‘Aqualung’ é uma obra do cenário progressivo (década de 1970), que não pode deixar de ser escutada por quem quer conhecer verdadeiramente àquele estilo musical, o mesmo acontece com este trabalho de Ricardo Vignini e Zé Helder, para quem quer entender que a linguagem musical é universal, irrestrita e livre de preconceitos. O disco fecha com chave de ouro. Até parece que a canção ‘Aqualung’, que dá nome ao álbum de Jethro Tull, de 1971, foi composta para moda de viola, tamanha afinidade sonora que os instrumentos caipiras tiveram com a canção, mesmo sem o destaque das flautas do arranjo original.

Não esqueça que antes de ouvir as músicas do ‘Moda de Rock’ você precisa se desprender de coisas pequenas e abrir a mente para o real mundo da música, onde não há produtos pré-concebidos e fabricados para o sucesso. O disco mostra a rica sonoridade da viola, instrumento genuinamente brasileiro, que enriquece qualquer estilo que ele se integrar. Viva o Rock! Viva a Moda de Viola! Viva o roqueiro com sua tatuagem! Viva o matuto caipira na sua roça! O barato agora é que nóis révi ‘Roça’n Roll’.


Para encerrar, me lembrei de uma frase que o saudoso violeiro Renato Andrade disse em uma entrevista, quando perguntado, o que é música boa: “Música boa é aquela que você ouve e sente saudades de algo que não sabe o que é”. Simples não?

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